O Rio Grande do Sul é
como aquele filho que sai muito diferente do resto da família. A gente gosta,
mas estranha. O Rio Grande do Sul entrou tarde no
mapa do Brasil . Até o começo do século XIX, espanhóis e portugueses ainda se
esfolavam para saber quem era o dono da terra gaúcha. Talvez por ter chegado
depois, o Estado ficou com um jeito diferente de ser. Começa que diverge no clima: um Brasil onde faz
frio e venta, com pinheiros em vez de coqueiros, é tão fora do padrão quanto um
Canadá que fosse à praia. Depois, tem a mania de tocar sanfona, que lá no RS
chamam de gaita, e de tomar mate em vez de café. Mas o mais original de tudo é
a personalidade forte do gaúcho. A gente rigorosa do sul não sabe nada do riso
fácil e da fala mansa dos brasileiros do litoral, como cariocas e baianos. Em
lugar do calorzinho da praia, o gaúcho tem o vazio e o silêncio do pampa, que
precisou ser conquistado à unha dos espanhóis. Há quem interprete que foi o desamparo diante
desses abismos horizontais de espaço que gerou, como reação, o famoso
temperamento belicoso dos sulinos. É uma teoria - mas conta com o precioso aval de um
certo Analista de Bagé, personagem de Luis Fernando Veríssimo que recebia seus
pacientes de bombacha e esporas, berrando: "Mas que frescura é essa de neurose,
tchê?". Todo gaúcho ama sua terra acima de tudo e está
sempre a postos para defendê- la. Mesmo que tenha de pagar o preço em sangue e
luta. Gaúcho que se preze já nasce montado no bagual
(cavalo bravo). E, antes de trocar os dentes de leite, já é especialista em dar
tiros de laço. Ou seja, saber laçar novilhos à moda gaúcha, que é diferente da
jeito americano, porque laço é de couro trançado em vez de corda, e o tamanho
da laçada, ou armada, é bem maior, com oito metros de diâmetro, em vez de dois
ou três. Mas por baixo do poncho bate um coração capaz de se
emocionar até as lágrimas em uma reunião de um Centro de Tradições Gaúchas, o
CTG, criados para preservar os usos e costumes locais. Neles, os durões se
derretem: cantam, dançam e até declamam versinhos em honra da garrucha, da
erva-mate e outros gauchismos. Um dos poemas prediletos é
"Chimarrão", do tradicionalista Glauco Saraiva, que tem estrofes
como: "E a cuia, seio moreno/que passa de mão em mão/traduz no meu
chimarrão/a velha hospitalidade da gente do meu rincão." (bem, tirando o
machismo do seio moreno, passando de mão em mão, até que é bonito). Esse regionalismo exacerbado costuma criar
problemas de imagem para os gaúchos, sempre acusados de se sentir superiores ao
resto do País. Não é verdade - mas poderia ser, a julgar por
alguns dados e estatísticas. O Rio Grande do Sul é possuidor do melhor índice de
desenvolvimento humano do Brasil, de acordo com a ONU, do menor índice de
analfabetismo do País, segundo o IBGE e o da população mais longeva da América
Latina, (tendo Veranópolis a terceira cidade do mundo em longevidade), segundo
a Organização Mundial da Saúde. E ainda tem as mulheres mais bonitas do País,
segundo a Agência Ford Models. Além do gaúcho, chamado de "machista", qual outro povo que valoriza a mulher a ponto de chamá-la de
prenda (que quer dizer algo de muito valor)? Macanudo, tchê. Ou, como se diz em outra praças:
"legal às pampas", uma expressão que, por sinal, veio de lá. Aos meus amigos gaúchos e não gaúchos, um forte
abraço! - ARNALDO JABOR - OS GAÚCHOS